– Esta é a minha prima Daniela.

– Oi! Não lembrava que você tinha uma prima. Ela tem mesmo a forma da sua família com esse furinho no queixo.

Riram.

– A Dani nasceu aqui.

Pois é, nasceu. E como estava nervosa por voltar. Há nove anos, já sabia que nunca se encaixaria lá. Seu lugar era na cidade grande, não aquele lugar parado no tempo onde qualquer mudança assusta. Ôh povo medroso. Era o que sentia agora, medo. Desejo de se esconder misturado à ansiedade em encarar o que viesse pela frente. Coquetel de sentimentos semelhante ao de quando tinha chegado à capital.

A grande São Paulo. Onde você é mais um no formigueiro, despercebido, invisível. Lá encontrou o que procurava. Espaço para receber atenção apenas de quem importa: de si. Podia se reinventar. Era uma folha em branco.

Largou tudo e todos e encarou o desconhecido. Como pode agora precisar de mais coragem do que teve? Conhece cada canto deste lugar, cada banco dessas praças. Como esperado, nada havia mudado. Apenas ela.

Como estaria ele? Se a esqueceu foi culpa dela que cortou todos os canais de conexão na necessidade de desaparecer. Conseguiu. Por isso voltou. Não aguentava mais ser um fantasma. Estava errada. Estava tudo errado. Ninguém deve se apagar. Isso é o oposto do que precisava. Precisava se enxergar, precisa fazer todos a enxergarem. No meio do caminho havia se perdido. É fácil se perder em um labirinto de concreto.

Nunca parou de pensar nele. Não perguntou à prima se ele havia se mudado. Saiu a caminhar pelas ruas estreitas de paralelepípedos. A cada esquina mudava a direção, sem rumo, apenas procurando rostos conhecidos. Encontrou alguns. Desviou de todos. Ainda não tinha decidido se queria ser reconhecida. As fofoqueiras nas janelas agora são outras, mas o posto não fica vazio.

Os passos a levaram direto à antiga casa de Pedro. A larga porta de madeira, antes azul marinho, agora é turquesa. Sua cor preferida. Linda combinação com o amarelo ouro da fachada. O terreno foi contornado por uma grade pontuda feia, novo adereço de muitas das casas da rua. Neste ponto a cidade havia mudado.

Não se deu conta do tempo em que lá ficou parada, estátua de si mesma. Despertou quando alguém se aproximou pela direita e parou entre ela e a casa. Era Pedro. De repente ficou difícil se equilibrar nos saltos. Foi invadida por lembranças evitadas. Os joelhos ralados de um futebol que encarava para estar perto dele, das noites em claro aturando histórias de suas conquistas, típicas de menino inseguro, até o cheiro do podrão da cantina se fez presente. A coragem que vinha cultivando, que tinha certeza de ter trazido na mala, se foi.

Pedro a olhava surpreso, sem ódio. Paralisado, apenas os olhos se mexiam registrando cada uma das mudanças dos últimos anos. Pararam só quando encontraram o par de olhos verdes que nada haviam mudado. E, nos dele, ela viu a paixão ainda viva. Uma paixão transformada, não havia mais hesitação. Não tinha sido apenas ela a mudar. 

Em um abraço como nunca antes permitido, Pedro sussurra “nunca mais me deixe, Danilo.”

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