O início

Ju e Bobi nos convidaram para passar por cidades de São Paulo onde Bambolina e Bobinaldo devem se apresentar em março desse ano. A ideia era conhecer melhor a região e os órgãos/ pessoas ligadas à cultura para escolher certinho onde armar o circo.

A viagem começaria logo depois do réveillon, dia 4 de janeiro, isso é, logo após período que costuma me preencher com: ida para o Rio para o Natal (jantar no 24 e almoço tarde adentro no dia 25), seguido de preparativos para o réveillon (onde as pessoas vão brotando conforme a data vai chegando) e finalizando com o niver da minha filha Bia, que esse ano completou 20 anos (como pode? Comecei 2024 velha)! Para tornar tudo mais leve, fiquei gripada no dia 25, uma mega dor de cabeça começou já no meio do almoço de Natal. Já de volta ao sítio, estava conseguindo me recuperar, quando veio uma crise alérgica que sempre deixa uma produção de catarro que não larga do meu pé, na verdade, dos meus seios (os da cara!).

Avisamos que não poderíamos ir no dia 4, tínhamos o niver da Bia e a troca de faixa do jiu-jitsu do Rique, meu marido. Ficou combinado que eles iriam primeiro para Cunha e os encontraríamos, no dia 7, no local mais distante, Cananéia, passando por São Luiz do Paraitinga na volta.

Ju, animada, me mandava informações dos locais. Eu, completamente preenchida de visitas e catarro, pensava: depois do niver da Bia, vou pesquisar os locais para propor o que conhecermos.

A viagem deles começou e eles mandavam fotos curtindo muito a lua-de-mel em Cunha e eu pensava “xii, já devem ter se arrependido de ter nos chamado…”

Domingo, dia 7, chegou. Acordamos 6:30 no Rio para seguirmos para a troca de faixa do Rique em Barra Mansa. Chegamos no laço (na verdade, 5 minutos atrasados, mas menos atrasados que outros). A troca foi emocionante, achei que o Rique ia chorar. A equipe é muito carinhosa e acredito que em especial com ele. Na sequência, houve um seminário (eu acho engraçado eles usarem esse termo) que consiste em uma aula com alguém bambambã do jiu-jitsu. Nessa hora a coisa começou a ficar mais complicada para mim. Um calor de meio-dia entrava pelo teto, o ventilador mais próximo de mim estava quebrado, minha dor de cabeça aumentava rapidamente junto com o cheiro de suor de pessoas rolando no chão em um quimono grosso que certamente não foi pensado para o calor do Brasil. Isso durou até quase 14h, eu me mexendo sem parar, pois, a cabeça tombava de sono e o corpo todo reclamava de calor e fome.

Às 14h, estávamos na estrada, ainda sem almoço, e com a primeira previsão do Waze de sete horas e meia de estrada. A previsão foi mudando ao longo do percurso, o que já era esperado, e, de 21h, nossa chegada acabou sendo às 23:30, quase não chegamos no domingo. Para passar o tempo, fomos ouvindo o podcast “Que história é essa, Porchat?”, onde os convidados contam histórias de situações inusitadas pelas quais passaram. Quando já estávamos chegando, a estrada completamente escura com “paredes” de árvores dos dois lados, as histórias estavam focadas em acontecimentos inexplicáveis. Chegamos ao nosso destino (que tinha instruções de senha da caixinha que continha a chave do portão que deveríamos pegar e devolver), ouvindo a história de bonecos que sumiam e apareciam em lugares diferentes de uma casa de Airbnb no meio do mato. A história terminou com “então falamos para a dona da casa que deixamos os bonecos fechados no terceiro quarto e ela respondeu ‘que bonecos? Não temos bonecos na casa.’” Conclusão, eu não queria sair do carro de jeito nenhum e o Rique, que havia dirigido por mais de 10 horas, teve que sair do carro e pegar a chave dentro da caixinha com o código para abrir o portão.

Antes de começar a viagem, tínhamos perguntado se tinha baralho na casa. Ficamos de levar e esquecemos, porém Bobi havia comprado no mercado de Cananéia. Chegamos exaustos da viagem e a partida de buraco ficou para outro dia.

Cananéia

Claro que eu não tinha conseguido tempo/condições físicas para fazer a pesquisa para poder propor locais para visitarmos. Apesar de ser a maneira mais egoísta de viajar, certamente é a que traz mais prazeres. Quem não faz planos, não olha fotos, não cria expectativas. Se deixar ir na correnteza é uma maravilha, mas como disse, acho injusto deixar com os outros o trabalho de decidir os destinos. Mas foi assim que fiz essa viagem, de forma bem egoísta deixando os outros decidirem tudo.

Na mesma noite da chegada, já deitada, Ju mandava sugestões de cachoeiras, pois não tínhamos plano para o dia seguinte, apenas para terça. Terça, já estava decidido um passeio de barco. Foi escolhida então a Cachoeira do Pitú (entendi que era a mais perto), mas por sorte, o dono do Airbnb passou cedo pelo chalé – era muito chique, eles deixavam uma cesta de café da manha sobre a mesa da varanda que ao final, deveríamos devolver com todos os potes dentro. Todos. Continuando, Albert, argentino dono do espaço e Alberto (nosso Bobi), pessoa mais simpática do mundo, ficaram conversando e descobrimos que a cachoeira escolhida estava fechada e ele indicou a Cachoeira Rio das Minas. Albert também demonstrou certa decepção por nossa escolha do passeio de barco do dia seguinte, disse que normalmente indica um conhecido de Ariri, que faz um passeio menos comercial e mais voltado à história das comunidades, com almoço em casa caiçara.

Isso deu início a uma pequena crise de consciência. Ju já tinha combinado o tal passeio de barco com uma família que estava hospedada nesse mesmo Airbnb, um casal com dois filhos. Pois esse comercial tinha o mínimo de 8 pessoas, e as crianças pagavam menos. Mas eu estava no meu modo operante egoísta e fui o diabinho no ouvido “mas o outro passeio é muito mais interessante… Mas a gente não tem mais filho pequeno e vai ficar passeando com os filhos dos outros?”. Já o Alberto variava de anjinho para diabinho. E não podíamos sair do chalé enquanto não fechássemos o barco, pois passando o portão a internet sumia. Tanto que a gente chegou até o portão e a Ju viu uma mensagem que dizia “só temos um barco”, seguido de “Olga está falando comigo agora”. O barco não-comercial era pequeno e só caberia uma das famílias. Olga era a mulher do casal com filhos. Demos ré, nova crise de consciência na Ju, mandamos a mensagem “nós estamos confirmados, nos vemos amanhã em Ariri” e partiu cachu.

A Cachoeira do Rio das Minas é maravilhosa. Um poço grande, a água mais quente que já vi na vida. Todas as pedras, sem exceção, era verdadeiros sabões, mas tinha corda para ajudar a atravessar o rio. Havia umas mutucas inconvenientes, mas como elas preferiam todos a mim, eu fiquei tranquila no paraíso. Eu estava no meu modo expectativa-zero, então fiquei completamente encantada, em êxtase. O remédio que eu estava tomando para a sinusite também me deixava 24hs com uma leve tontura, então a sensação nessa viagem era sempre um leve barato (ou eternamente com sono). A comida nesse lugar era muito boa e serviram também suco de uma fruta que todos perguntaram o nome, mas a idade não nos permitiu armazenar a informação. Ju comprou um pote de palmito que foi esquecido em Ariri no dia seguinte.

Bobi e Ju tinham conhecido a Ilha Comprida no dia anterior, que é grudada em Cananéia. Enquanto estávamos presos em engarrafamento na Dutra, eles estavam há 2 horas na fila da balsa que atravessa da Ilha Comprida para Cananéia. Tinham ficado decepcionados com a Ilha. Mas no papo mais cedo com Albert, Bobi ficou sabendo que haviam deixado de conhecer a melhor ponta da ilha e que deveríamos ir no pôr-do-sol.

Depois de almoçarmos na cachoeira e de darmos o último mergulho, rumamos para o centro de Cananéia para Bobi procurar as pessoas da secretaria de cultura e seguirmos para o tal pôr-do-sol no melhor trecho da Ilha Comprida. Bobi foi até a secretaria de cultura e museu, não sei direito. Resolveu procurar em outro lugar onde falaram que era lá onde ele havia ido mesmo. Não sei direito como foi, só sei que saiu dando voltas pelo centro de carro enquanto eu, Rique e Ju ficamos andando pela cidade, tirando fotos nas lindas casas na beira do canal, cafezinho e sentamos no banco em uma passarela beirando o canal, que lembrava aquele espaço para bicicletas e pedestre em Paris, já imaginando que com o horário e as nuvens que surgiam não valeria mais a pena fazer a travessia para o pôr-do-sol no melhor ponto da Ilha Comprida. Estávamos lá observando a “bóia” que a Ju-sem-óculos avistou e que expliquei que se tratava de um homem nadando perto da balsa ignorando os avisos de proibido nadar naquela área, quando Bobi liga “cadê vocês? Já estou na fila para entrada na balsa!”. Corremos para encontrar o carro abandonado sem nenhum Bobi por perto, mas que em alguns minutos volta afobado com o ticket da balsa na mão falando “eu entrei com o carro na contramão!”.

Eu, no meu barato junto com o deixa-a-vida-me-levar, achei essas travessias incríveis, tanto a do continente para Cananéia quanto essa que fazíamos agora. Olhava em volta e o cenário que via representava muito o Brasil. O canal, que apesar de ser mar parecia um rio largo, tinha ao fundo morros verdes de curvas suaves, cobertos de mata verdinha e no fundo um conjunto de montanhas rochosas pontudas que separam São Paulo do Paraná e lá estávamos nós indo em direção a uma praia com a promessa de um incrível pôr-do-sol.

Entramos em uma estradinha, que nem o Google Maps mostrava, para tentar deixar o carro o mais próximo do ponto para a trilha rumo ao tal melhor canto da ilha: Trincheira. A trilha beirava uma falésia e cruzava uma floresta de bromélias que eu nunca havia visto tantas juntas. Ju ficou encantada e comentava “a planta preferida da mamãe”. Eu não sabia, fiquei feliz com a informação. Claro que tivemos que parar para tirar fotos, mas os mosquitos aproveitavam para atacar e Ju desistia dizendo que a foto que ficou melhor ficou torta porque teve que se defender.

Olhando para a praia lá embaixo, nos perguntávamos como faríamos para descer. Vimos um grupo e o senhor nos orientou “tem uma saída à direita que passa por baixo de uma árvore”. Eu havia reparado que tinham muitas pinturas e fotos de golfinhos pela cidade, mas não tinha entendido o real significado daquilo. Ju também tinha achado presunçoso o rapaz do passeio do barco comercial ter dado garantia de avistar golfinhos. Assim que chegamos na Trincheira, o senhor que nos deu a orientação apareceu vindo pela areia e falou “Viu que passaram por debaixo da árvore? Daqui a pouco vocês verão os golfinhos”. Ju e Rique que estavam olhando para o mar (para o qual eu estava de costas) emendaram a fala dele com um sincronizado “own” que eu achei que estavam até me zoando. Ao virar, lá estavam grupos de golfinhos, vários ainda filhotes, a 2 metros da areia, passando grudados por duas mulheres sentadas na água que nem davam mais bola para o acontecimento. Eram muitos, pulando para cá e para lá. Ficamos um tempão hipnotizados. Nem lembrava mais do pôr-do-sol, até porque, o sol estava tímido atrás das nuvens, mas presente suficiente para colorizar o mar de roxo. O cenário era esse: um número absurdo de golfinhos pulando em um mar roxo com um céu lilás, rosa e laranja.

Ju estava ficando apertada para fazer xixi e preocupada com o horário da balsa, pois a informação que ela havia conseguido no dia anterior era que o último horário era quando o último carro atravessasse. Se a gente perdesse a balsa, teríamos que percorrer 70km até a outra ponta da ilha para pegar a ponte. Por isso chama-se Ilha Comprida. E mais quase 70km de volta até onde estávamos hospedados.

Começamos o movimento “vamos voltar” e Bobi ficou tenso “mas o pôr-do-sol? Agora que o sol vai sair de detrás das nuvens?”. Bobi já era o responsável por termos visto o espetáculo dos golfinhos quando já estávamos na beira do canal quase desistindo por causa do horário e nuvens. Ele estava com crédito. O sol então obedeceu e saiu de seu esconderijo transformando o mar roxo em ouro. Tudo ficou dourado. Porém, todos tinha gasto a bateria do celular filmando golfinhos e não teríamos lanternas para voltar por uma trilha linda cercada de bromélias, porém que beirava uma falésia. Logo, rumamos de volta para o carro com um incrível pôr-do-sol à nossa esquerda e uma floresta de bromélias à direita.

Conseguimos pegar a balsa.

Chegamos muito cansados e a partida de buraco ficou para outro dia.

Ariri

Novamente a maravilhosa cesta de café-da-manhã na varanda. Tem pão de queijo, pão caseiro, bolo, ovo mexido, geleias, doce de leite, mel, muçarela de búfala, leite, café e suco. Mais coisas do que damos conta. Sendo assim, a gente transfere o doce de leite, geleia, manteiga para xícaras da casa para podermos devolver a cesta com todos os potinhos que vieram dentro. Como já tinha coisa de dois cafés da manhã anteriores, começamos a achar que não valia a pena guardar tanta coisa. No dia seguinte elas apareceriam magicamente na varanda. Mas Bobi é apegado e queria guardar o mel e começa um cabo-de-guerra. “Alberto, você não vai pegar o potinho! Temos que devolver a cesta com tudo que vem dentro conforme a regra da casa!”.

A ideia era fazer lanche para o dia no barco, afinal o passeio escolhido era por lugares desertos, a praia inteira para gente. Aproveitamos sobras do café a acrescentamos o que havíamos comprado. Fizemos o famoso sanduiche do Rique de queijo bola, salame, alface e tomate.

Foi uma hora e meia de carro até Ariri, chegamos 10:30, mas o barco saiu quase meio-dia, pois estávamos aguardando um casal que pegaria carona no barco e faria um passeio de bike, retornando só no dia seguinte. Durante a espera, papo com Junia, esposa do Jacques dono do barco. E conhecemos Bela e Jorge, filhos do casal. Jorge adora acrobacia e tem inclusive um trapézio, que na verdade é um balanço alto, no jardim. Papo com o Bobi para preencher essa espera não faltou e teve até acrobacia com Jorge na varanda. Para quem não sabe, Bobi é um dos fundadores da Intrépida Trupe, dos Irmãos Brothers e agora do trabalho que faz com sua filha Alice, Bambolina e Bobinaldo, razão pela qual esse passeio estava acontecendo. Rique é o unicórnio, amigo imaginário da dupla. Dá para ver essa turma no Instagram @bambolinaebobinaldo e também pelo Youtube. Vale a pena assistir a minissérie Sonhos de Unicórnio.

Ju pediu para guardar o pote de palmito na casa deles e lá ficou.

O barco saiu e mais uma incrível surpresa. Pássaros enormes, vermelhos, parecendo pequenos flamingos passaram por cima de nós. Como já era meio-dia, a luz por cima deles parecia acender suas asas deixando o vermelho ainda mais vivo contrastando com o azul esplendido do céu. São guarás, disse Jacques. “Guarás, como os lobos?”. “Sim, guará significa vermelho. Esses pássaros nascem pretos e ficam vermelhos por causa do caranguejo do qual se alimentam.”

O passeio passava pela Cidade Fantasma, onde a população dessa pequena vila teve que deixar suas casas que caíram por terem, durante o governo Getúlio Vargas, alargado e aprofundado artificialmente o canal para permitir o tráfego de barcos maiores. O aumento no volume da água foi erodindo a margem da ilha. Ainda tem uma igreja por lá, não guardei a data, mas acho que é mais antiga que a cidade do Rio de Janeiro. Daqui a pouco também estará debaixo do mar por falta de interesse em preservar o patrimônio.

Jacques mostrou também alterações no canal que não foram obra do homem, apesar de acreditar que o homem acelerou o processo. Onde não havia a passagem para o mar aberto, agora há e isso isolou parte da comunidade local que se beneficiava do turismo. E também teve comunidade que teve que ser realocada, para uma nova área que surgiu chamada Praia Enseada da Baleia. Agora, os barcos comerciais só trazem o turista até essa nova abertura. E antes, onde existia uma enorme abertura, agora é uma praia incrível onde o barco parou para curtirmos o local. Nadamos, fizemos piquenique, atravessamos a praia até o mar aberto, a maré subiu e molhou as mochilas da Ju e do Bobi e os chinelos da Ju desapareceram. Mas tudo bem, pois encontramos no local o par de chinelos que Jacques havia esquecido lá há uns dias atrás.

A areia era surrealmente fofa e branca, nossos pés afundavam uns 20 cm, lembrava o caminhar na neve. Então, ele nos orientava a andar na beirinha da água, onde a areia era mais compactada. Na verdade, eu praticamente não saí de dentro d’água, só na hora que resolvemos andar até o mar aberto. Lá, eu girava 360º e não via uma interferência do homem. Essa área é reserva, pois é o Parque Estadual Ilha do Cardoso. A vista ia bem longe. Era o mar aberto atrás de mim, uma faixa de areia, o canal, que também é mar, as ilhas com a mata verde e no fundo novamente o conjunto de montanhas rochosas pontudas que dividem São Paulo do Paraná. Imagino que era uma visão muito semelhante à dos primeiros europeus que chegaram aqui.

Ficamos confusos não sabendo quando estávamos em São Paulo e quando estávamos no Paraná. Acredito que a casa caiçara onde comemos estava no Paraná. Lá comemos peixe frito acompanhado de tomate e pepino. Eu comi com as mãos mesmo, pois o senhor colocou na mesa e depois sumiu. Em algum momento, Jacques levantou e catou pratos e talheres, mas eu já tinha lambuzado a mão, então continuei como estava. Rique se arriscou no refrigerante de abacaxi e na pimenta oferecidos, não sei qual dos dois depois o deixou enjoado no carro na volta.

Em seguida, fomos levados para o local onde os guarás fazem os seus ninhos. Era impressionante, várias árvores com bolas vermelhas gigantes. Pareciam árvores de natal ou pé de melancias cortadas. Os ninhos eram gigantes, pois são pássaros bem grandes.

Depois disso, Jacques achou que o tempo estava ameaçando mudar e começamos a voltar. Na hora que passamos pela nova abertura, onde a maré estava mudando rapidamente e tinha um vento no sentido inverso a ela, um chuveiro foi ligado. Fiquei totalmente encharcada, não entendi direito nem de que direção vinha essa água toda. Passando essa parte, Jacques pareceu mais tranquilo.

Depois foi novamente uma hora e meia de carro até nossa hospedagem. Chegamos muito cansados e o buraco ficou novamente para outro dia.

São Luiz do Paraitinga

Dia começa novamente com a cesta de café, porém com a Ju anunciando: “ontem, alguém escondeu o potinho de mel na cozinha…”. Bobi então faz cara de malandro vitorioso, mas Ju completa “…mas eu descobri e coloquei de volta na cesta a tempo” e ele, que obviamente nem lembrava mais do tal mel até esse momento, murchou “você encontrou, foi? Eu escondi todo nervoso, pois a Gio estava pertinho lavando a louça e olhava na minha direção toda hora”. “Pois é, e sem você perceber eu coloquei de volta na cesta e fiquei me segurando até agora para poder te contar!”. Crianças.

Dia de partir para nova cidade. Cinco horas e meia até o novo destino. São Luiz do Paraitinga é uma graça. O tempo todo só pensava o quanto Bananal, cidade histórica onde moro, também poderia ser cuidada dessa forma. A casa em que ficamos parece de boneca, faz parte do cartão postal da cidade, tanto que no restaurante onde almoçamos, lá estava ela na pintura atrás de nós.

Passando por uma padaria, avistamos dois bonecos enormes. Já brinquei com o Rique, olha onde os bonecos da história do Porchat foram parar! Alberto quis fazer vídeo do Bobinaldo com os bonecos.

Bobi falou com quem tinha que falar, voltou animado e com algumas opções de local. Um deles, que parece muito legal, só será inaugurado em maio, então não sei o que ele vai decidir, já que a ideia era a tour de apresentações ser em março.

Ficamos andando pela cidade, tomamos sorvete, café e fechamos o dia com uma pizza.

Chegamos muito cansados e buraco novamente não rolou.

Lavrinhas

Último dia da viagem, a ideia era escolher uma cachoeira e depois irmos cada um para sua casa. Eu e Ju estamos arrumando a casa e Rique e Bobi levando tudo para o carro. Quando chego no carro, pergunto “Cadê o Alberto?”. Rique me diz que entrou nessa casa com um senhor. “Ele está dentro da casa do homem? Fazendo o quê?” “Não sei. Os dois entraram.” E o carro totalmente aberto, com as janelas escancaradas. Depois, fiquei sabendo que o senhor havia iniciado a conversa com “chegaram ontem e já estão indo embora hoje?”, coisa de cidade pequena.

Bobi finalmente aparece e fala que a gente tem que ver os bonecos incríveis que o Benito faz. Realmente era tudo incrível. Ele mostrava o esqueleto de arame, o corpo preenchido com papel e os detalhes dos rostos, mãos e pés em durepox. Mostrou tiaras que fazem muito sucesso no carnaval, “ela quis uma tiara com chifres, eu fiz”. A cidade tem um famoso concurso de marchinhas todo ano na véspera de carnaval. A gente quase que pega, pois esse ano será no fim de semana seguinte dessa quinta em que estamos deixando a cidade. Ele comentou que seus bonecos já foram troféus desse concurso. Que baita troféu! Deu vontade de participar só para ganhar um desses. Seu Benito nos levava cada vez mais para dentro da sua casa-museu, os bonecos iam ganhando roupas, cores e tamanho. Lá no fundo eram gigantes. Descobrimos que ele era o pai dos dois bonecos que vimos na padaria. “É a padaria do meu sobrinho, os bonecos foram reformados”. Benito reparou que eu estava inquieta e falou “essa aqui já está querendo ir embora”. Respondi que não, mas que estava aflita com o carro com as janelas totalmente abertas, não seria nada agradável terminar a viagem com furto. Depois que o Alberto fechou o carro, consegui aproveitar melhor as histórias. Ele contou que após o incentivarem a expor seus bonecos, ele finalmente ia participar de uma exposição com 30 bonecos. Acho que seria no Rio, junto com outra artista. Eu não conseguia entender tudo que ele falava e também não tenho mais memória RAM. Só sei que com o impeachment da Dilma, a exposição não rolou, mas lá havia o começo da produção. E ele disse que seriam bonecos de 7 a 8 metros, que ele imaginava as pessoas andando entre as pernas deles. “Era uma coisa maravilhosa”, já tinha visualizado tudo. Uma pena mesmo que não rolou. No final, ele já estava ainda mais a vontade e de bonecos passamos para fofoca da cidade, ele até mudou o tom de voz para quase sussurro. Contou do dia que o padre se referiu a ele como o bruxo da cidade e sua mãe chegou com lágrimas escorrendo em casa e ele dizia para a mãe não se preocupar com isso. Mas o mundo dá voltas, e anos depois, esse mesmo padre mandou chamar Benito para que ele recitasse suas poesias. Se quiserem conhecer a figura, entrem no Instagram dele @benaemcampos. No carnaval, ele incorpora o Juca Teles, um personagem carnavalesco da cidade, cuja a estátua fica bem entre nossa casinha, a igreja e a casa de seu Benito.

De lá, fomos finalmente tomar café na padaria dos bonecões, descobrimos que em suas costas havia um papel contando as histórias de cada um. Não pegou nada bem o Bobinaldo chamá-los de amigos em seu vídeo, pois um é um coronel malvado que se divertia dando tiros em pessoas pretas escravizadas.

Escolhemos a Cachoeira Grande como a última de nossa viagem, porém chegando lá, estava fechada. Só abre aos sábados, domingos e feriados. O que achei uma sorte, pois decidimos então ir para a Cachoeira da Pedreira em Lavrinhas, cidade que não estava nos planos, mas estava no nosso caminho de volta para casa.

Já eram 14h quando chegamos lá, e o cara estava desincentivando todo mundo. Dizendo que estava chovendo na serra, que havia possibilidade de cabeça d’água e que se a gente chegasse lá embaixo e o salva-vidas não deixasse entrar teríamos gasto dinheiro à toa. A entrada era cobrada. Ju chegou a comentar “parece que hoje não é nosso dia de cachoeira”. A sorte é que um pessoal que voltou de lá falou que estava muito tranquilo. Não entendemos nada, o cara depois ficou dizendo que estava de ressaca, não sei se queria ir embora cedo, ou se queria apenas prejudicar o chefe, pois inclusive indicava um outro balneário. Só sei que foi a primeira vez que vi um Poço da Esmeralda realmente cor de esmeralda. Muito, muito lindo esse rio. Deu vontade de conhecer melhor Lavrinhas. Achei que fechamos a viagem com chave de ouro.

Chegamos em casa exaustos, Rique dormiu ainda de roupa, só tirou a bermuda, e Bobi voltou para o Rio com o baralho fechado.

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